Memórias
de Um Sargento de Milícias – Manuel A . de Almeida.
I- Enredo
Leonardo,
herói das memórias, nasceu de um romance sui generis. Leonardo Pataca, seu pai,
e Maria da Hortaliça, quitandeira das Praças
de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitona. Conheceram-se num navio e após
algumas pisadelas e beliscões foram morar juntos. Transcorridos sete meses,
teve Maria um filho, formidável menino de quase três palmos de comprimento,
gordo, vermelho, cabeludo, esperneador e chorão. Era Leonardo.
Traquinas, Leonardo foi
abandonado pelo pai, aos sete anos, após a fuga de Maria da Hortaliça, para
Portugal, com o capitão de um navio – seu novo amante. Com um pontapé, o pai –
que na época desempenhava a função de meirinho (oficial de justiça), manda-o
fora de casa. Leonardo, então, é recolhido pelo padrinho, o barbeiro vizinho.
Mas suas estrepolias não cessaram, fato que causou sérias desavenças entre a
madrinha de Leonardo, a vizinha e parteira, e o padrinho, já que este último
fazia vistas grossas às travessuras do afilhado.
O barbeiro ensinou-lhe, com
muito custo, as primeiras letras, pois tencionava fazê-lo clérigo. Na escola,
suas artimanhas se intensificaram. Passados dois anos, Leonardo abandonou a
escola e ingressou, como coroinha, na Igreja, pois via ali lugar
adequado para melhor prepará-lo. Mas teve lá estadia breve: o padre enxotou-o,
tantas foram as desordens que provocou.
Neste ritmo, Leonardo
cresceu, sem, entretanto, dar para nada do que o padrinho pretendia fazer dele.
Tornou-se um vadio. Já moço, andava às tontas, sem Ter qualquer preocupação.
Sua primeira paixão foi despertada por Luisinha, sobrinha de d. Maria, senhora
rica que tinha por hábito discutir questões jurídicas. Mas Luisinha logo ficou comprometida com José Manuel, um
espertalhão à procura de dotes,.
O padrinho de Leonardo
morre. Ao saber dos bens herdados pelo filho, Leonardo Pataca, que após amores
mal sucedidos com uma cigana passou a viver com Chiquinha, a sobrinha da
comadre, aparece para tomar conta do filho. Leonardo revive, então, o episódio
da infância: é expulso pelo pai após uma série de desentendimentos com
Chiquinha.
Andando sem rumo, encontra
um grupo de jovens. No meio deles, reconhece um antigo companheiro de
traquinagens. Tomás da Sé, que havia sido, junto com ele, coroinha. É convidado
para hospedar-se numa espécie de cortiço, onde conhece Vidinha, mulata de cerca
de 20 anos, por quem se apaixona.
Após algum tempo, Leonardo é
preso por vadiagem pelo Major Vidigal. Mas consegue fugir antes de chegar à
cadeia. Para livrá-lo das perseguições
de Vidigal, a madrinha lhe arranja um emprego na despensa real .Mas o rapaz mete-se em encrencas ao tentar
conquistar a esposa de um companheiro de trabalho. Então é despedido.
Novamente preso, desta vez
não foge. Torna-se soldado e passa a auxiliar diretamente o Major Vidigal, nas
batidas policiais. Numa dessas diligências, é incumbido de prender um bicheiro,
Teotônio. No entanto, ao contrário do que lhe havia sido ordenado, Leonardo
auxilia a fuga do bicheiro, indo novamente preso.
A madrinha, sabendo da
prisão do afilhado, procura uma ex- amante do major, Maria Regalada, para que
esta interceda em favor do relaxamento da prisão de Leonardo, que não só é
libertado, como é promovido ao cargo de Sargento de Milícias.
Leonardo volta a encontrar
Luisinha, que ficara viúva. Casam-se e Leonardo recebe uma carta do pai, na
qual o chamava para entregar o que lhe deixara o padrinho, fortuna que o
barbeiro arranjara roubando de um capitão moribundo de um navio, e que se
achava religiosamente intacta.
FICHA DE LEITURA
Narrador:
Em terceira pessoa; trata-se de um narrador
observador, que interfere, brinca ironiza as situações vividas pelos
personagens. Os costumes e as práticas da época não escapam ao seu juízo
crítico e gozador. Não raras vezes opina a respeito do que conta com
indisfarçável tom de deboche.
Dirige-se ao leitor para pedir-lhe a cumplicidade,
saltando da terceira pessoa para a primeira do plural, em nome da manutenção do
interesse pela obra.
Personagens:
Fugindo dos tradicionais textos do Romantismo, o autor
nos apresenta personagens que não são nem proprietários nem escravos, mas pouco
considerados em sua representatividade social. À medida que lutam pela
sobrevivência, os personagens agem de acordo com a necessidade, transitando
livremente entre o bem e o mal, sem
moralismos ou escrúpulos, uma vez que suas virtudes compensam seus pecados. É o
que se verifica, por exemplo, no comportamento
do barbeiro, padrinho de Leonardo, cuja fortuna mal adquirida depois o
reabilita À medida que é utilizada nobremente, para garantir o futuro do afilhado.
Além da lei das compensações, gerada pela necessidade
da sobrevivência, há ainda outra característica interessante do comportamento
desta classe social, a que o crítico Roberto Schwarz chama de política do
favor , da qual parece nascer o famoso jeitinho brasileiro, em que uma mão
lava a outra. O compadre, assim, ajuda Leonardinho, sendo ajudado pela comadre
nesta função. A comadre, por sua vez, pede ajuda a D. Maria, e esta a Maria
Regalada, para salvar Leonardinho das mãos do Major Vidigal, que pela sedução
da ex- amante, é atraído ao universo da desordem.
Então o ‘uma mão lava a outra’, e o “jeitinho
brasileiro da ‘política do favor” somando-se à amoralidade, constituem não só os traços que diferenciam a nossa
classe popular, com também em sentido
mais amplo, caracterizam uma especificidade da cultura brasileira, que
posteriormente será desvendada por Machado de Assis.
Leonardinho:
primeiro anti- herói
dos romances brasileiros, Fruto de um beliscão e uma pisadela, não vem
de uma linhagem nobre e nem sequer a narativa lhe apresenta o sorenome.
Considerado “herói malandro” ou “pícaro”, um vagabundo contumaz que vive às
custas do padrinho; sem um emprego definido , fugindo das perseguições do major
Vidigal e vivenciando alguns envolvimentos amorosos. Encarna o tipo do amalndro
amoral que vive o presente, sem qualquer preocupação com o futuro.
Tempo e
espaço :
“Era o tempo do rei.” A narrativa se desenrola durante
o período em que D. João
VI esteve no Brasil. Distanciando-se no tempo, ganha qa dimensão de crônica ou
livro de memórias de um passado não muito remoto em relação ao tempo do
narrador. Nesse confronto entre o pasado e o presente da narração, há um tom
nostálgico, através do qual se percebe a valorização do que já passou. MAs o
passado não é visto com a idealização romântica, e sim com as minúcias dos
aspectos documentais da obra, ligados à estética realista.
Vivida no Rio de Janeiro, a história recria o espaço
urbano carioca do tempo do rei e povoa suas ruas de festas, procissões e
comportamentos populares que descambam para
a desordem(como por exemplo xeretar , através das janelas, ao casa
alheia), sendo os fatos narrados com bom humor e veia crítica, por isso
denominado “Romance de Carnavalização dos costumes”.
Linguagem :
Estilo coloquial, direto resgatando com fidelidade o
português popular da época, traço que o distingue mais uma vez dos romances
tradicionais em estilo pomposo.
A oralidade, a coloquialidade, o tom de crônica
jornalística, aproximam a linguagem desta obra
da literatura Modernista, segundo a qual
a linguagem literária deveria reproduzir a oralidade.
Estilo:
A tradição a que parece ligarem-se mais adequadamente
as Memórias é a romântica: tendência ao pessoal, à vida íntima do protagonista,
suas experiências sentimentais, evocação da história de uma época ( “era o
tempo do rei”), história de happy end. No entanto, há características
que distanciam a obra do Romantismo tradicional: classes de baixa renda,
protagonista anti-herói, cenas reais, não idealizadas, não há o maniqueísmo
romântico ( bem x mal) , sentimentalismo substituído por humorismo, estilo oral
e descontraído.
“ Vale a pena Ler de novo”:
Capítulo 3:
carnavalização dos costumes
/ Capítulo 9: o livre passeio
entre a moralidade e a imoralidade
/ capítulo 11: inclusão do leitor
na narrativa / capítulo 15: a
oralidade, os diálogos / capítulo 18: Luisinha, anti-heroína romântica.
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