sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Sentimento do Mundo

Carlos Drummond de Andrade (1940)
Contexto Histórico
Sentimento do Mundo foi publicado no ano de 1940, numa pequena tiragem de 150 exemplares os quais foram distribuídos a amigos e outros escritores. Na época em fora escrito por Drummond, o Brasil vivenciava o Estado Novo de Getúlio Vargas e no plano internacional, houve o acirramento do Nacionalismo exacerbado e revanchismo decorrente do desfecho da Primeira Guerra Mundial, as relações sociais e políticas foram marcadas pelo surgimento e expansão das doutrinas do Nazismo e Fascismo na Europa.
Assim, o Estado Novo foi uma forma de regime ditatorial disfarçado pelo populismo, sendo declarado por Vargas em 1937 assim como uma nova Constituição (a Polaca) que ampliou o poder do presidente, desmobilizou os partidos de oposição e disputa com o governo. Para fortalecer o regime, Vargas valeu-se da aprovação de direitos trabalhistas e forte propaganda de manipulação/persuasão e Censura (pelo Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP), chegando a ser apelidado de “o pai dos pobres”, mas também ”mãe dos ricos”.
Assim o Movimento intelectual e artístico foi marcado essencialmente pelo questionamento da existência humana, do sentimento de “estar-no-mundo”, das inquietações social, religiosa, filosófica, amorosa e etc. Carlos Drummond de Andrade é o poeta que melhor representa o espirito dessa geração - conhecida como Geração de 30.
Sentimento do mundo (livro), de Carlos Drummond de Andrade

Análise
Publicado pela primeira vez em 1940, Sentimento do mundo é o terceiro trabalho poético de Carlos Drummond de Andrade. Os poemas deste livro foram produzidos entre 1935 e 1940. São 28 no total. Traz o olhar do poeta sobre o mundo à sua volta, tendendo para um olhar crítico e significativamente político. É uma obra que retrata um tempo de guerras, de pessimismo e sobretudo, de dúvidas sobre o poder de destruição do homem.

Escrito na fase em que o mundo se recuperava da Primeira Guerra Mundial e em que já se encontrava iminente a Segunda Grande Guerra, com a imposição do Estado Novo de Getúlio Vargas e o crescimento do Nazi-fascismo, percebe-se em Drummond a luta, a contestação, pela palavra, das atrocidades que o mundo parecia aceitar (“Tudo acontece, menina / E não é importante, menina”). Drummond lançou-se ao encontro da história contemporânea e da experiência coletiva, participando, solidarizando-se social e politicamente, descobrindo na luta a explicitação de sua mais íntima apreensão para com a vida como um todo.

Em Sentimento do mundo, Drummond revê o fazer poético. Amadureceu o poeta individualista de Alguma Poesia, tomando consciência do mundo, apesar de não se esquecer de seu coração.

O poeta de Sentimento do mundo constata que vive em “um tempo em que a vida é uma ordem”, que vive num mundo grande, onde os homens de “diferentes cores” vivem suas “diferentes dores” e que não é possível “amontoar tudo isso/num só peito de homem”. Ele constata, arrependido, que se voltou para si e para seus ínfimos problemas:

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.
("Mundo grande", Sentimento do mundo)

Mais que constatar ele se recusa a ser "o poeta de um mundo caduco", a ser "o cantor de uma mulher, de uma história". O poeta não será uma ilha, mas cantará "o tempo presente, os homens presentes, / a vida presente" ("Mãos dadas","Sentimento do mundo"). O verso-cachaça dá lugar ao verso-combate, que alimenta o coração do poeta, para lhe dar forças para lutar:

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo, meu coração cresce dez metros e explode.
Ó vida futura! nós te criaremos.
("Mundo grande", "Sentimento do mundo")

Nos poemas de Sentimento do mundo, além do traço preciso e corrosivo, próprio da escrita de Drummond, há uma imensa preocupação com os rumos que tomam as pessoas enquanto seres humanos.

Nesta obra fica claro que o individualismo está mais próximo da concordância com o modelo da situação que do protesto e que, somente unidos (“Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”), através dos mesmos sentimentos, ainda que mal se compreendam (“Ele sabe que não é nem nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca. E me despreza...”), os homens conseguiriam modificar o mundo:

...as mãos dos sobreviventes se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez,
uma inocência, um perdão simples e macio...
Havemos de amanhecer
("A noite dissolve os homens")

Não há, entretanto, otimismo na visão do poeta. É sombria e pessimista a visão de mundo que se justapõe à esperança da revolução e da utopia. Assim, dor e esperança são os temas básicos que regem os poemas de Sentimento do Mundo. Uma dor, talvez, maior que a esperança que a contempla, ou talvez esta não esteja tão próxima dos homens. A dor é o "Sentimento do Mundo"; dor de todos os homens e que se concentra em um só – o poeta:

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo
mas estou cheio de escravos
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
("Sentimento do mundo)

E, então, ele, o poeta, sente-se responsável pelas pessoas a sua volta; sofre por elas; sente-se elas. Como se vê em:

É preciso casar João,
é preciso suportar Antônio,
é preciso odiar Melquíades,
é preciso substituir nós todos.
(...)

("Poema da necessidade")

O "nós" é muito empregado em Sentimento do Mundo e é através do "nós" que surgirá a esperança. Ressalte-se que ela, a Esperança, nunca está no presente, mas, sempre, no futuro, virá. Vem, assim como a dor, personificada em imagens possíveis de se encontrar em nosso cotidiano: o sorriso do operário, que caminha firme ("Vejo-o que se volta e me dirige um sorriso úmido"); a aurora, que dissolve a noite que traz o sofrimento ("Aurora, / entretanto eu te diviso, ainda tímida, / inexperiente das luzes que vais acender"); o soluço de vida, que resiste ao verme roedor de lembranças:

Havia a um canto da sala um álbum de fotografias intoleráveis,
alto de muitos metros e velho de infinitos minutos,
em que todos se debruçavam
na alegria de zombar dos mortos de sobrecasaca.
Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentes
e roeu as páginas, as dedicatórias e mesmo a poeira dos retratos.
Só não roeu o imortal soluço de vida que rebentava
Que rebentava daquelas páginas.
("Os mortos de sobrecasaca")

Assim, os temas políticos, o sofrimento do ser humano e as guerras, a solidão, o mundo frágil, os seres solitários predominam. A dor humana está lá; o eu-lírico se resguarda e canta o outro, tão mais importante que ele próprio.
 


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